terça-feira, 9 de setembro de 2003

O grande dia da partida

A alvorada deu-se pelas 8:00 da manhã, depois de uma noite relaxada mas, ao mesmo tempo, sob o nervosismo do início da grande viagem que se avizinhava. Ainda que tivéssemos pago 24 libras por uma noite, não foi o suficiente para ter um quarto com casa de banho nem pequeno-almoço. Também não interessava muito pois quem se aventura numa viagem à volta do mundo de mochila às costas não pode estar com grandes exigências.
Antes de partir para Heathrow, tomámos o pequeno-almoço, numa cafetaria mesmo ao lado da pousada. O relaxe inicial depressa se transformou numa rápida luta contra o tempo, uma vez que ainda tínhamos que andar cerca de 30 minutos de metro, recolher os bilhetes e fazer o check-in na Virgin Atlantic. Numa viagem transatlântica é exigido que o check-in seja feito com bastante antecedência (neste caso, a hora limite era até às 11:00).
Ontime e com o dever cumprido embarcámos no 747-400 com destino a Los Angeles… sempre que oiço Los Angeles, parece que algo fica por dizer. Qualquer coisa como “From Los Angeles Califórnia…. – The Doors!” (memórias se me avivam da adolescência quando ouvia The Doors).

O espaço entre bancos no avião não era o melhor mas aceitava-se. Além disso tinha um LCD exclusivo e as refeições não eram nada de se deitar fora (até porque não sou nenhum esquisito a comer, comigo marcha tudo!). 11 horas de viagem obriga a todo este “conforto e luxo”, ainda que não comparável com a 1ª classe/executiva onde o tratamento ainda é mais diferenciado e exclusivo, até diria eu, aspiracional! Colocaram-nos no corredor central de 4 lugares do avião (ladeados por duas fileiras de dois lugares cada). Sentados ao nosso lado estava um jovem casal que me suscitou alguma curiosidade. De entre as revistas que se faziam acompanhar para esta longa travessia, encontrava-se uma, em que a capa, contracapa e o tema principal das “trinta mil páginas” de conteúdo era, tão simplesmente, striptease! Pelo que consegui aperceber-me que tinha algo a ver com uma votação. O objectivo da revista era propagandear as moçoilas para posterior votação. A dúvida que surgiu foi se a menina do casal lá estaria estampada, bem como a respectiva associação de ideias entre a viagem e o mito da terra das oportunidades. Hollywood… Em que oportunidade iriam eles apostar? Como será que iriam ganhar a vida? Entretanto, depois de usar e abusar de todas as opções existentes no LCD (esta parte foi como os putos com um brinquedo novo) chegou a hora do pujante almoço acompanhado de um vinhinho tinto e seguindo-se um whisquizinho. Assim a sesta correria pelo melhor (a altas altitudes o efeito é mais rápido).

Chegámos a L.A. (…..The Doors!) às 15:00 horas locais, 23:00 em Portugal. Pensei que o jetlag me iria afectar muito, mas a verdade é que até às 21:00, horas a que me fui deitar, não senti assim tanto o cansaço. Creio que o nervosismo miudinho da emoção e a vontade de querer fazer e conhecer, deixa-nos suficientemente acordados.
Falando um pouco da chegada alucinante aos Estados Unidos, apesar de compreender que “casa roubada trancas à porta”, creio que não é por todo aquele “espalhafato” que se evitará um ataque terrorista como o que aconteceu há 2 anos nas torres gémeas em New York. A burocracia para entrar nos USA é um pouco alucinante. Revistaram-nos umas 5 vezes, mostrámos o passaporte cerca de 10 vezes, perguntaram-nos quanto tempo iríamos ficar nos USA outras 20 vezes e obrigaram-nos a preencher um papel ridículo com umas questões totalmente surreais. Por exemplo, perguntavam se éramos terroristas, presos, se tínhamos armas de fogo connosco ou se queríamos asilo político… Bom, de filme! Estou mesmo a ver alguém a declarar que tem uma G3 em sua posse pois quer vir aos states matar um par de gente… Apesar do ridículo da situação, a verdade é que impunha respeito e em determinados momentos ponderei se por obra do acaso não iriam implicar comigo por alguma razão sem fundamento.

Depois desta aventura inicial em terras do tio Sam precisávamos de encontrar onde pernoitar. Dirigimo-nos às informações do aeroporto e, com a ajuda de uma simpática senhora com os seus 60 anos, de cabelos loiros, lisos e fortemente ondulados na parte final junto ao pescoço (devido à marcada intervenção do secador), reservámos uma pousada mesmo junto à praia – Venice Beach. Curiosamente a senhora já tinha estado em Portugal, não sabia muito bem onde, mas a descrição do local com montanhas até ao mar com umas de madeira casas muito peculiares, fez-nos deduzir que era no Funchal. Sem possibilidade de confirmação a dúvida ficara… Apanhámos o autocarro, seguindo as suas indicações iniciais e, com o avançar do tempo, fomos obedecendo às novas ordens das motoristas. Sim, senhoras motoristas! Passámos ao largo do centro de L.A (…The Doors!) onde sobressaía no horizonte uma grande torre de escritórios (a Deloitte deve ser ali pensei!). Numa das paragens, ao efectuar o transbordo, cruzámos com um “pintas”. Olhos claros, meia altura, cabelo curto, meio loiro, meio ruivo, com todo o aspecto de backpacker com experiência e cara de inglês. Ia para a mesma pousada que nós. Estava no final da sua volta ao mundo, vinha das ilhas Samoa no Pacífico Sul e, dali a 2 dias regressava a Inglaterra. O que me deixou alucinado, com uma vontade enorme de conversar com ele, foi o facto de estar a fazer a volta ao mundo há um ano. Repito, há um ano que andava a vaguear pelo mundo!.. E sozinho! A curta conversa que tivemos terminará com o check-in do hotel. Contudo, a minha vontade de falar com o jovem inglês era enorme! Queria saber mais. Queria ser aconselhado. Queria ouvir ideias e experiências de alguém que passou um ano a fazer o que eu iria fazer em 40 dias. Queria sentir as coisas boas que ocorreram. Queria precaver-me de potenciais problemas e cuidados a ter. Queria matar a minha curiosidade em saber como arranjou tanto dinheiro para estar um ano a viajar. Queria saber onde se arranjara tanta coragem para se aventurar sozinho pelo mundo…

Deixámos a mochila no quarto e saímos do hotel para molhar os pés no pacífico. À saída uma pintura numa fachada das casas saltou-me à vista. O retrato de Jim Morrison. O malogrado vocalista dos Doors, que falecera aos 27 anos e permanecera um mito. Confirmava-se. Estávamos em Los Angeles – Califórnia (... The Doors!).
O sol, lentamente punha-se. Na praia havia muitos surfistas e a temperatura baixara ao desagrado. Ainda assim, na Venice Boulevard, tal como na televisão, havia muita gente a fazer os mais variados desportos ao ar livre: jogging, musculação, basket 3x3, patins em linha, bicicleta, … Foi bastante agradável aquele passeio ao final da tarde pela praia e ver a pessoas a “vadiar”. América, … América é tudo como nos filmes, tudo! Os carros, as pessoas, as praias, a policia, as casas, as ruas, tudo! Tudo que vejo associo a um filme. Por exemplo, Venice Beach, com as suas praias e Marina del Rey com os seus barcos, associo a um filme de “produção fictícia” que uma vez vi, não sei bem onde. Às praias típicas das “Marés Vivas”, as ruas com perseguições de um policia da LAPD atrás de um sul-americano. Tal como frequentemente vemos nos filmes ou nos noticiários. Naquele momento senti que tudo que via, agora era real.

Regressámos à pousada num rápido stop-and-go antes da janta. O restaurante chinês, seguindo a recomendação do recepcionista, serviu-nos bem. De seguida, e de papo cheio, fomo-nos deitar. No dia seguinte planeáramos visitar Las Vegas, num pacote turístico em oferta na pousada. Por, apenas, 169 USD teremos Las Vegas, Grand Canyon e Hoover Dam aos nossos pés e com direito a Hotel. Compram-se sonhos baratos, desfazem-se desejos de anos, constroem-se castelos na areia. É esta a terra de todas as oportunidades.

Em busca dessas mesmas oportunidades vêm imensos sul-americanos. O espanhol é, por isso, a segunda língua. Grande percentagem da população é sul-americana impondo, de certa forma, a proliferação do castelhano por todo o lado, nos placards dos autocarros, cafés, jornais e por toda a gente. Hasta mañana hermanos!



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