domingo, 14 de setembro de 2003

Coincidências

Chegámos a Rarotonga! Foi o segundo local para o qual reservámos antecipadamente a estadia (a primeira tinha sido a noite em Londres), pois a pouca oferta existente poderia resultar numa possível barreira à entrada no País. Tal como combinado havia gente à nossa espera no aeroporto – Rebecca de seu nome (se a memória não me atraiçoa tinha sido o contacto
de reserva da pousada). A primeira conversa foi sobre as Ilhas Cook … A ilha é linda, linda, linda! Nada tem a ver com a imagem que retive da Internet. Pensava que ia encontrar uma paisagem seca, rochosa e que só as praias valessem a pena. Nada disso. A ilha é toda, toda verde, cheia de vegetação. O tempo nublado rapidamente se transformou em chuva. Afinal estava num país tropical. Recordei a “velha viagem” à república dominicana. Não só o tempo é semelhante entre os dois países, infelizmente o nível de vida é igualmente baixo. Contraditoriamente, ou não, há felicidade nesta gente. As crianças não mentem. O seu olhar diz tudo. Diz que são felizes, diz que se divertem com o pouco que têm! Por outro lado, apesar das parecenças entre as duas ilhas, o momento que passei num e noutro local são completamente diferentes. A República foi a minha primeira viagem intercontinental, foi a viagem de finalistas, foi com uma companhia diferente, agora estou “sozinho” e a realizar um sonho. Na realidade, dou conta, que tenho este sonho, mas que nem ao certo sei quando nasceu. Seria na minha infância, durante as regulares viagens até
Mós e Carviçais, quando espreitava a janela do carro e reparava no transformar da paisagem? Saímos da cidade, da praia e partíamos pelo Douro acima serpenteando pelos montes com o cheiro a terra seca. Seria na adolescência, quando percorria Portugal com os meus tios e mais além fui na minha primeira incursão nos países de Leste, passando por terra de nuestros hermanos, pelo romantismo de Veneza, pela verde Áustria até à Hungria? Seria com o maior, nas grandes e marcantes aventuras de quase tudo? Foi com ele que nasci e partilhei tudo desde os tempos quando era apenas um pequeno benjamin até agora. Seria na juventude, quando com ele fiz o primeiro inter-rail de mochila às costas e guitarra soando na mão? Seria na universidade que a (im)possibilidade de fazer Erasmus cavou um fosso no meu percurso e marcou um objectivo: viver no estrangeiro durante um período de tempo? Seria no trabalho, o timming do projecto da TPI e pelo desafio do meu mate? Realmente a resposta ao nascimento deste sonho é: Sempre! Sempre fui aventureiro, amante das viagens e do conhecer. Agora estou a concretizá-lo.
Rarotonga é uma rua. A rua circunda a ilha, num total de 32 km. Alugámos uma scooter (com 4 mudanças semi-automáticas!) e lá fomos à descoberta. Ao largo da ilha há uma barreira de corais que trava as investidas do mar. As praias, apesar de não serem muito largas e sem grandes extensões de areia até ao mar, são bastante compridas, permitindo, na areia, dar a volta a toda a ilha. A completar o ramalhete desta paisagem idílica estão as palmeiras que entram areia adentro e beijam as ondas…A sul da ilha principal – Rarotonga, existem 3 pequenos ilhéus com ar selvagem. Foi com este pano de fundo que almoçámos em MuriI Beach no Sails Restaurant. Tinha toda a pinta de ser a praia chique da zona. Comemos divinalmente a um preço aceitável (17€) para quem está numa ilha paradisíaca… Rarotonga Backpackers. A pousada situava-se no meio duma encosta, entre a vegetação e a uns 400 metros do mar. Perfeito pensei. Pernoitar numa pousada construída praticamente sobre as árvores, com uma vista fabulosa da vegetação ao perto e a praia de fundo, não é todos os dias. A sala principal e de convívio da pousada é um
open space dividido em 3 zonas. À entrada, do lado esquerdo, a pequena cozinha que todos usavam e tinham a obrigação de a deixar como a encontraram – Limpa! Do lado direito, a mesa das refeições que não era nada mais nada menos que uma mesa comprida para albergar 15 a 20 pessoas. Na zona mais recuada, a toda a largura da sala, o local de lazer com sofás e mesas de jogos. Na parede um quadro de corticite com o mapa-mundo marcado com pioneses a nacionalidade dos turistas que por lá passaram. O nosso momento de glória chegou quando sinalizámos devidamente Portugal no quadro! Moimeme e my mate Hugo, os primeiros portugueses a ficarem em Rarotonga Backpackers! Yes! Afinal podemos ser comparados a Vasco
da Gama. Na pousada, o ambiente é típico de backpackers: chinelo no pé, calções e t-shirts. São jovens sem grandes preocupações, sedentos de festa e com alguma “irresponsabilidade” para com a vida.

Há gente que tem vidas muito diferentes da minha, dos meus e dos que me rodeiam. Passeiam-se pelo mundo vão ganhando uns cobres (principalmente em países mais ricos) para viver durante mais uns meses e voltam a viajar (e a gastar em países mais pobres). Vão para
ilhas como esta, em que há qualidade de vida, bom tempo, boa comida, tudo é barato e pronto, aí sobrevivem durante mais uns tempos….estes sim, são uns cidadãos do mundo!
Para festejar o aniversário de uma rapariga houve uma festança “sob a forma” de barbecue. Aproveitei para praticar o meu inglês ainda ferrugento. Quase todos que estavam hospedados estiveram presentes. Mas acabou por ser uma certa desilusão para mim. Admito que o maior culpado até tenha sido eu, pois não fiz o mínimo para me integrar. Por outro lado, também, não me pareceu também haver grande abertura, para que eu e o Hugo nos integrássemos. Assim,
aproveitei e estive toda a noite a escrever no diário e postais para a malta…. A noite foi salva por volta das 22:00, quando começou a chover a cântaros e demos um mergulho na piscina!!!! Fenomenal. (mais uma coincidência com a República Dominicana!)

Creio que me fez bem escrever este diário, quanto mais não seja para parar e pensar, reflectir um pouco. Por exemplo o que (não) se passou no dia de hoje acabou por confirmar a ideia que tinha relativamente à vida nas pousadas. Primeiro foi quando fiz o interrail, que acabou por
(não) confirmar totalmente que o ambiente é de deboche total. Tudo aquilo que imaginámos pelo que nos contam, na realidade não se passa assim tão regularmente. Admito que, ocasionalmente, se passa, mas pode ocorrer, numa pousada de juventude, como numa discoteca, como numa viagem de família, como num dia na praia, como num piquenique no campo. O que eu quero dizer é que todas essas maluqueiras, esse mitos urbanos, existem, não em locais específicos, mas em toda e qualquer parte. Basta estar no lugar certo, na hora certa e tomar a decisão certa.
Os últimos tempos, pelo que (vi)vi, aprendi muito. Acredito que sei distinguir melhor o que está bem e o que está mal. Quanto mais (vi)ves menos vergonha temos, menos escrúpulos temos e mais egoísta nos tornámos. A vida torna-nos num monstro e se há momentos que gostaria de dizer que “desta água não beberei”, cuidado que a vida nos atraiçoa…Se por um lado, este ano não me posso queixar, estive nos lugares certos, às horas certas e tomei as decisões que considerei certas. Por outro lado faltou a química, o gostar e o amor. Cada um por si já significa qualquer coisa, mas só os três sentimentos em conjunto é que fazem sentido para se poder, a partir, dai construir o futuro. Os alicerces. Definitivamente, pergunto, quando começarei a
construí-los? Mas apesar de tudo, o saldo do ano que passou foi quase perfeito.
Profissionalmente (na Deloitte), isto é, desde Maio a Junho foi quase perfeito. Quase, porque o falecimento do meu avô foi o momento mais triste e que lamento profundamente. Apesar da sua timidez e das poucas conversas que tínhamos quando chegava a casa fazíamos um rescaldo das aulas, do trabalho, do dia, da semana, das férias, aproximava-me dele, sentado na cadeira da cozinha sempre lúcido, sem nunca se queixar! Se era por resignação ou para não incomodar, nunca saberei, mas são boas as recordações que guardo. Que Deus o tenha! Falando do lado positivo, pessoal e profissionalmente, consegui ir para um projecto internacional. E que grande experiência na “movida” em Madrid. Além das vantagens de estar deslocado, viver em Madrid, fazer escapadinhas aos fins-de-semana para a Europa, estando ao mesmo tempo perto de casa (1 hora de avião). Foram momentos espectaculares! No final do ano fui promovido…. Agora estou a realizar uma volta ao mundo…. Que mais quero? Alicerçar?... Ok, então fico à espera …



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